Há exatamente duas semanas, O Município trouxe a minha coluna “200 dias”, que traçava algumas considerações sobre o período inicial de governo de nosso presidente Jair Bolsonaro.
O meu artigo acabou nas redes sociais, fazendo de mim, de uma hora para outra, o alvo preferido dos furiosos seguidores do líder, que sentiram-se profundamente ultrajados por alguém ter ousado macular a imagem do venerado “mito”, ao invés de aplaudi-lo freneticamente, como seria de esperar por estas bandas. Um caminhão de estrume aterrizou na minha cachola, e até hoje luto desesperadamente com água, sabão e colonias, para livrar-me dos odores do estábulo!
Confesso minha total perplexidade com a falta de respeito, da grosseria, da violência e da vulgaridade contra a opinião de alguém que pensa de modo diferente. Aparentemente, esqueceu-se de que ainda vivemos num país com liberdade de opinião e que a diversidade de pensamentos e o consequente diálogo constituem componentes essenciais para a salvaguarda de um sistema democrático saudável.
Não deixa de ser espantoso verificar como o populismo de Bolsonaro conseguiu seduzir e fanatizar um pequeno segmento da população, o que poderá nos ajudar a entender um pouco melhor o comportamento de alemães e italianos na década de 1930.
Ainda assim, contínuo convicto de que a maioria dos brasileiros não está muito a vontade com as extravagâncias presidenciais, mas considera qualquer coisa melhor do que a volta de Lula e do PT ao cenário nacional.
O grande feito de Bolsonaro reside no fato de ter apeado do poder o Partido dos Trabalhadores, abrindo espaço para mudanças pelas quais a população tanto ansiava. A vitória nas eleições, no entanto, não significa uma carta branca para administrar o país como se fosse uma capitania hereditária, pois diariamente somos surpreendidos por atitudes e manifestações que nos atestam seu total despreparo para o cargo e seu descaso pelas lides democráticas.
Ao invés de centrar os esforços do governo nos problemas que atormentam a população, gasta o seu tempo com quinquilharias que nada tem a ver com a agenda de um Presidente da República. A economia continua estagnada, o sistema educacional à míngua (R$ 6,5 bilhões congelados no Ministério da Educação), as humilhantes e inaceitáveis filas na saúde pública engrossando e a segurança pública e os presídios a exigir total empenho da máquina estatal, o que a meu ver, não acontece. Possivelmente falta ao presidente um plano de governo definido a exemplo dos projetos de Paulo Guedes e Sérgio Moro, enquanto dilui sua energia no atendimento de seus grupos de apoio, que acabam definindo os rumos do governo.
Os pentecostais sonham com tudo “terrivelmente evangélico” e a ministra Damares Alves gostaria de retornar aos valores e hábitos familiares da década de 1950. O poderoso agronegócio quer a terra dos índios e otimizar a produção às custas da floresta amazônica, enquanto que um ideólogo delirante radicado nos Estados Unidos injeta doses diárias de populismo de direita na jugular do clã presidencial, sepultando a meritocracia que se vê substituída por nomeações puramente ideológicas.
A indicação do filho Eduardo para a embaixada em Washington também não contribui para aumentar a popularidade do presidente: trata-se do mais puro nepotismo, inconcebível em quem se propôs livrar o Brasil da “velha política”, e ainda mais como Presidente da República, deveria ser um exemplo de integridade e correção.
Notícia positiva foi a aprovação da Reforma da Previdência pela Câmara dos Deputados e presume-se que a passagem pelo Senado também será tranquila.
O tête-à-tête Trump-Bolsonaro também poderá trazer algumas vantagens a curto prazo, pois o americano acenou com um Tratado de Livre Comércio, que poderá tornar-se interessante. O tão almejado e festejado Tratado de Livre Comercio com a União Europeia encontra-se, por ora, num péssimo ambiente astral: a nossa política ambiental vai na contramão do mundo e tem suscitado ácidas críticas, especialmente dos países europeus.
Ainda conviveremos um longo tempo com as instabilidades bolsonarianas e vamos torcer para que consiga devolver ao Brasil a estabilidade política e econômica que o país merece. Esperamos também que o exercício do cargo lhe ensine a administrar os seus impulsos, sua incontinência verbal e que ponha os seus neurônios a funcionar, antes de abrir a boca. Espera-se também que amenize o seu furor ideológico, que passe a respeitar as pessoas independente de sexo, cor, religião ou credo político e que abandone a ideia fixa de achar que o mundo inteiro conspira contra a sua pessoa e seu governo.
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