E lá já se vão os primeiros 200 dias da presidência de Jair Bolsonaro. Nada brilhantes, diga-se de passagem, pois fazem parte do período de ajuste aos planos que o presidente eleito deve ter na algibeira para o futuro do país. Até o momento vimos poucos projetos, muita balbúrdia, avanços e recuos, intolerância em alta, agressividade também, mas nada suficientemente letal para sepultar as esperanças dos brasileiros de que o pior já passou e que nos encontramos às vésperas de dias melhores.
Pessoalmente, tenho enorme dificuldade em enxergar Bolsonaro como presidente de todos os brasileiros. Continua em clima de campanha eleitoral, atira para todos os lados, inclusive nos que o apoiam e trata com rancor, desprezo e desdém os que não comungam com suas ideias.
Os que não jogam no seu time não querem o bem do Brasil: são comunistas. Também não cumpre a sua promessa de palanque de governar sem viés ideológico e por critérios técnicos, mas patrocina uma caça às bruxas de todos aqueles que já apertaram as mãos de Lula, incentivando uma radicalização ideológica de sua equipe mais próxima e de seus seguidores. O Bolsonarismo tornou-se um PT de direita.
Vejo no presidente e em seus filhos os maiores adversários do governo Bolsonaro, pois o mandatário não passa um dia sequer sem envolver-se em coisinhas que não deveriam merecer a atenção do presidente.
É pródigo em disparates que só causam constrangimentos e confusão e que normalmente requerem uma “reinterpretação” de um membro de sua equipe. Os seus filhos, os “garotos”, constantemente se envolvem nos negócios de estado e representam o núcleo duro no governo do pai.
A meu ver, o primeiro grande momento do governo Bolsonaro foi a aprovação da Reforma da Previdência pela Câmara dos Deputados, obra do ministro Paulo Guedes que, com Sergio Moro, representa a parte sólida e confiável do governo.
Rodrigo Maia, presidente da Câmara, foi o autor do primeiro gol do governo, o que pode tê-lo alavancado a uma alternativa conservadora nas eleições presidenciais de 2022.
Incompreensível e inaceitável a oposição ortodoxa do PT e afins, que votaram contra a reforma, fundamental para a sobrevivência imediata do país.
A assinatura do acordo comercial Mercosul-União Europeia foi outro tiro na mosca do governo. Negociado durante 20 anos, a assinatura promete um mercado de 500 milhões de consumidores e encheu de expectativas os setores produtivos do país.
Profundamente questionável tornou-se a decisão presidencial de nomear o seu filho 03, Eduardo, para embaixador nos Estados Unidos, cereja do bolo de qualquer diplomata de carreira.
Sem a menor qualificação técnica para o cargo, a decisão do presidente de nomear o filho representa a volta à “velha política”, que Bolsonaro abjura e demoniza, além de representar um ato definitivamente condenável, sob o ponto de vista ético e moral, principalmente para quem se arvora o título de “moralizador do país”.
Tenho a leve impressão de que o interesse maior de Eduardo não reside na embaixada brasileira, mas sim no cultivo da proximidade de Steve Bannon, preparador intelectual de líderes de extrema-direita e de Olavo de Carvalho, guru ideológico do clã Bolsonaro, pois não é segredo para ninguém que o sonho de Eduardo é tornar-se o grande líder da direita mundial.
Comprovado está que a turma no poder não é muito chegada à cultura: artes, ciências, pensamentos, escrita, tudo está na geladeira, e a extinção do Ministério da Cultura, um Ministério da Educação capenga e universidades federais à míngua são provas cabais da falta de interesse imediato no desenvolvimento cultural da população.
Não é à toa que o bolsonarismo confunde esquerda com socialismo, petismo, lulismo, comunismo, marxismo cultural, direitos humanos, feminismo e corrupção!
A julgar pelos lances estratégicos do governo federal, tempos medievos nos aguardam na área cultural: para poder “filtrar” a produção cinematográfica nacional, o presidente transferiu a Ancine de sua sede no Rio de Janeiro para o gabinete da Casa Civil, no Planalto. Para dirigir a Funarte, órgão que controla os palcos e as artes visuais, nomeou o seu fiel discípulo Roberto Alvim, que já prometeu uma verdadeira cruzada contra o “marxismo cultural” que supostamente “grassa nas artes e ameaça destruir a civilização judaico cristã.”
Lamentável o incidente de Jaraguá do Sul, quando a renomada jornalista Miriam Leitão viu-se impedida de participar da feira literária, em consequência dos protestos de 3 mil fanáticos bolsonaristas que ameaçaram a segurança do evento e da própria palestrante. Cegueira pura impedir a participação de pessoas em eventos culturais públicos só porque pensam diferente.
Um ilustre brusquense manifestou-se sobre o acontecido nas redes sociais:”Parabéns jaraguaenses por terem impedido esta vaca comunista de pisar em solo catarinense”.
Na Alemanha da década de 1930, ler-se-ia: “vaca judia”.
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