Mais de 40 mulheres podem ter sido violadas por anestesista: "É como se as mulheres não pudessem confiar nas equipes de saúde
Rio de Janeiro – “Sensação de aniquilamento” é um dos termos que especialistas ouvidas pelo Metrópoles usam para definir uma das possíveis consequências para as vítimas do brutal crime de estupro de vulnerável. Na última semana, uma avalanche de reportagens destrinchou o comportamento do anestesista Giovanni Quintella, de 31 anos, que apenas em um dia teria abusado de três pacientes.
Giovanni foi preso após técnicas em enfermagem, desconfiadas do comportamento do médico, terem decidido gravar o terceiro parto do dia. Nas imagens, o anestesista é flagrado colocando o pênis na boca de uma paciente sedada no Hospital da Mulher Heloneida Studart, uma unidade pública de saúde em São João de Meriti, na Baixada Fluminense do Rio.
MP denuncia médico anestesista por estupro de vulnerável no Rio
A polícia já identificou mais de 40 mulheres que foram atendidas pelo médico e investiga se elas também foram vítimas de estupro. Entre as consequências, está a possibilidade der desenvolver pânico de hospital.
“Essas mulheres podem sofrer com a sensação de quase morte, aniquilamento, não ter forças para reagir, não ter condições de tomar decisões, fazer coisas que ela fazia antes, como trabalhar, comer, viver”, explica ao Metrópoles a psicóloga Iramaia Ranai, especialista em Impactos da Violência na Saúde.
Ainda de acordo com a psicóloga, “muitas podem ter depressão, ansiedade, transtorno pós traumático, uso e abuso de substâncias químicas, problemas sexuais com o parceiro e em alguns casos, até suicídio”.
“O estupro é uma invasão, independente de estar acordada ou não, existe uma consciência posterior, a informação de que meu corpo foi violado, invadido. Isso significa que houve um controle, que a vítima foi colocada em um lugar muito específico: o de objeto de satisfação de um homem. Uma situação de controle dessa ordem pode trazer prejuízos para autoestima, autonomia e senso de pertencimento no mundo. Impactos que acarretam sofrimentos de ordem emocional, de sofrimentos clinicamente importantes”, explica a psicóloga.
A Polícia Civil já conseguiu provar que Giovanni sedava as pacientes apenas para a prática criminosa. Após a repercussão do caso, algumas mulheres foram à delegacia, já que o anestesista também agiu de forma suspeita, com altas doses de sedativos.
“Em todos os casos a sedação pareceu desnecessária, feita no final do procedimento. Há relatos de questionamentos a ele, mas sem explicação, já que a vítima não estava agitada e nem teve nenhuma intercorrência durante a cirurgia. Tudo indica que a sedação era feita para a prática de estupro” disse a delegada Barbara Lomba à reportagem.
Mesmo com determinação por lei, o anestesista pedia para os companheiros se retirarem da sala de parto após o nascimento das crianças.
“Completamente destruída”, “desolada” e “indignada” são alguns dos adjetivos usados pelas vítimas de Giovanni Quintella. A especialista explica que além das consequências psicológicas, a violência sexual em outras esferas pode acarretar infecções sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada, hematomas que ficam na pele e marcas emocionais.
“Estamos falando de uma violência obstétrica, ou seja, são atos de violência física, moral, psicológica, sexual praticados contra as mulheres no momento do parto, pós-parto e puerpério. Se considerarmos que um abuso sexual impacta na autoestima, na confiança nesse ambiente e na confiança em si mesma, pode ter impactos irreversíveis à saúde emocional. Para que essa mãe esteja atenta às necessidades do bebê, ofereça acolhimento físico e emocional, ela também precisa estar segura de si e do que é capaz de realizar enquanto mãe, enquanto mulher”, relata Iramaia Ranai.
“Pânico de hospital”
Com mais de 30 anos de experiência no tema, a pesquisadora e assistente social Marisa Chaves, uma das criadoras do “Movimento de Mulheres”, instituição voltada para atendimento de mulheres vítimas de violência, explica que o abuso cometido dentro de um ambiente hospitalar pode gerar insegurança nessas vítimas.
“Quando esse médico se aproveita da vulnerabilidade dessa mulher e procura satisfazer a sua lascívia, a sua necessidade sexual, ele vê a mulher como mercadoria, como produto e não como ser humano. Ele fez daquele corpo objeto sexual, como mero desejo de sua satisfação. Quando essa mulher acorda da sedação e se dá conta que seu corpo foi usado, ela vai precisar recorrer a um acompanhamento psicológico. Essas vítimas podem apresentar sentimentos de insegurança ao ter que recorrer a uma unidade de saúde, procurar um hospital para realizar qualquer procedimento ginecológico, eletivo ou não, e até mesmo no futuro, em uma possível gravidez que ela tenha”, explica a Coordenadora do Centro de Referência para Mulheres da UFRJ e pesquisadora na área de direitos humanos.
Se ir ao hospital era sinônimo de segurança, agora, após o estupro, essas vítimas podem ver aquele ambiente como um lugar de perigo. Na sexta-feira (15/7), o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), através da 2ª Promotoria de Justiça Criminal de São João de Meriti, denunciou à Justiça o médico Giovanni Quintella Bezerra, pelo crime de estupro de vulnerável.
“A mulher que foi vítima no momento em que deveria estar sendo protegida e cuidada pode vir apresentar agravos de difícil resolução. A mensagem que fica disso tudo é como se as mulheres não pudessem confiar nas equipes de saúde. Esses profissionais do campo dos cuidados podem despertar nas mulheres um certo pânico, um certo medo do que pode acontecer. Isso impacta na credibilidade, na confiabilidade das vítimas com esses atendimentos e refletir até mesmo no campo sexual da vida dessas mulheres com seus parceiros”, ressalta Marisa Chaves.
Para conter os danos, Iramaia reforça sobre a importância em ter uma rede de apoio que auxilie essas vítimas após a violência sexual sofrida.
“É essencial ter uma rede de apoio que dê o suporte necessário, e o acompanhamento de profissional que acolha, que garanta um espaço seguro para a expressão das emoções. Que seja capaz de ouvir sem julgamentos e a auxilie a enxergar que existem possibilidades seguras de vida”, diz Iramaia Ranai.
Fonte: Metrópoles.
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