De volta à terrinha depois de uma bem aproveitada temporada em Nova Iorque, vejo-me obrigado a revogar a minha firme decisão de compartilhar as minhas andanças pela capital do mundo, para abordar acontecimentos em nosso horizonte político que nos dão uma ideia precisa de onde estamos e para onde nos querem conduzir.
O primeiro éclat do ano foi a demissão do secretário especial da Cultura do governo Bolsonaro, Roberto Alvim, dramaturgo e fiel discípulo do guru presidencial Olavo de Carvalho. Sua condução ao cargo foi ideológica e em sua posse prometeu desenvolver uma política cultural sob medida e gosto do chefe.
Manteve a sua promessa, e para a concessão do “Prêmio Nacional das Artes”, produziu um vídeo no qual parafraseava um discurso de Joseph Goebbels, ministro de Propaganda de Adolf Hitler e usando como música de fundo um Prelúdio da ópera Lohengrin, uma das favoritas do Fuhrer.
Tratando-se de quem se trata, o despudorado flerte com o nazismo não causou surpresa, e felizmente causou uma avalanche de protestos no país e resenhas negativas no exterior. Bolsonaro titubeou e só mandou seu queridinho embora após contundente protesto da colônia judaica e uma nota categórica da embaixada de Israel em Brasilia.
Sua substituta é a atriz global Regina Duarte, definitivamente sem o cacife cultural para o cargo, e cuja missão principal será a construção de uma ponte entre o governo e os conturbados setores culturais do país, inconformados com o cerceamento da liberdade criativa e o dirigismo cultural que está sendo implantado no país.
Mesmo sem ter sido empossada, a secretária já escolheu a número dois da secretaria: a reverenda Jane Silva.
Damares Alves, ministra dos Direitos Humanos e da Família, resolveu arregaçar as mangas para enfrentar um problema que tem preocupado durante décadas os governos do país: a gravidez na adolescência. A pauta é nobre, mas o que espanta é a metodologia escolhida pela ministra, em pleno século XXI e na era do pós-modernismo. Damares rejeita categoricamente o esclarecimento pelas escolas bem como os tradicionais métodos anticoncepcionais (pílula e camisinha) e recomenda aos adolescentes abstinência sexual total e absoluta até o casamento, sob o lema “reze com fervor que a vontade passa”. A torcida ficou feliz que a ministra não se lembrou dos cintos de castidade nesta campanha nacional, que terá início em 3 de fevereiro.
Com frequência pergunto-me como a nossa elite pensante, o empresariado, estaria recebendo estes sempre mais frequentes arroubos autoritários, ideológicos, patrióticos, místicos e não poucas vezes, obscurantistas.
Segundo a Confederação Nacional da Indústria, 40% dos empresários brasileiros estão satisfeitos com o governo do capitão, pois sua administração colocou a economia em rota promissora o que leva a crer que em breve empresas e país estarão em situação econômica-financeira saudável, que é o que realmente interessa à elite empresarial. O resto é o resto, considerado o ônus a pagar por tê-los livrado das esquerdas.
Nas redes sociais, os seguidores de Bolsonaro continuam vivendo no passado e atuando com a agressividade de sempre: Lula, Cuba, Venezuela, Atibaia, Gleisi, Guarujá, sempre a mesma ladainha para amedrontar os incautos com a iminente volta das esquerdas ou de um golpe comunista.
Considero as redes sociais um veneno para a vida política nacional, pois praticamente nada se debate e são utilizadas majoritariamente para difundir inverdades e demolir carreiras e reputações.
Tristes e dispensáveis aquelas faixas sobre Lula, penduradas num teco teco que circula incessantemente pelo litoral catarinense. Na minha infância aprendi que não devemos tripudiar sobre a desgraça alheia, mas como vejo pessoas aplaudindo, até posso admitir a hipótese de que meus valores estejam ultrapassados.
Nos dias de hoje, tudo muda tão rapidamente. Mais triste ainda a presença, no mesmo vídeo, de nosso presidente da República, gargalhando e aplaudindo a troça sobre seu antecessor. Um retrato do Brasil nos dias de hoje.
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