Devagarinho, o futuro governo Bolsonaro vai adquirindo o seu contorno, dando à população uma sutil ideia de como será governada a nação a partir de janeiro de 2019. Aqueles que previam um ministério majoritariamente verde-oliva, podem sentir-se frustrados. Apesar de uma farta participação de militares no primeiro escalão, optou-se majoritariamente por técnicos ou personalidades que entendem do assunto, deixando claro também que um simples alinhamento ideológico com o futuro presidente não seria o suficiente para fazer parte da equipe que conduzirá o Brasil durante os próximos 4 anos.
Exceções, no entanto, acontecem. E a mais significativa foi a escolha do futuro ministro das Relações Exteriores, o diplomata Ernesto Araujo, 51 anos, que atualmente exerce a função de diretor do Departamento dos Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos na gestão do chanceler Aloysio Nunes Ferreira do Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty.
Na noite de sua vitória, Bolsonaro prometeu “libertar o Brasil das relações internacionais com viés ideológico” e ao que tudo indica, encontrou em Araújo a figura ideal para transformar as suas promessas em realidade. Segundo Monica Herz, professora da PUC-RJ, “Araújo foi escolhido porque expressa claramente a visão de mundo de Bolsonaro, de seus valores ultraconservadores com uma forte interação entre religião e política”.
Em verdade, Araújo identifica-se em gênero, número e caso com seu chefe: abominam as esquerdas, odeiam o PT, são admiradores incondicionais do presidente norte-americano Donald Trump e costumam envolver suas teorias e ações num clima de inegável misticismo.
As crenças do futuro chanceler são, no mínimo, estranhas: considera-se inimigo ferrenho da globalização, “cujo objetivo último é romper a conexão com Deus e o homem”. Afirma ainda que “a fé em Cristo significa lutar contra o globalismo” e considera Trump “um Deus, o único que pode salvar o Ocidente”; considera que devemos “resistir fortemente à China Maoista que quer conquistar o mundo”, e classifica a Europa como “culturalmente vazia”.
A tarefa prioritária do novo chefe da diplomacia tupiniquim será desmantelar tudo aquilo construído por Celso Amorim, por longos anos chanceler dos governos petistas: enxotar do Itamaraty os “vermelhos” e operacionalizar uma guinada de 180 graus na política exterior brasileira.
Antes, porém, deverá apagar inúmeros incêndios provocados por seu chefe com seus inconsequentes arroubos ideológicos, quase sempre inspirados em seu mentor americano Donald Trump: apaziguar o mundo árabe que promete retaliações caso se concretize a transferência da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém; apaziguar a China, nosso maior parceiro comercial, que já decretou que “um alinhamento com a política de Trump custaria muito caro ao Brasil”; apaziguar nossos vizinhos do Cone Sul, alarmados com a declaração do presidente eleito de que “o Mercosul esquerdista deixaria de ser uma das prioridades do Brasil.” E, por fim, enfrentar uma farta cesta de pepinos, como a desfiliação do Clube de Paris (controle climático) e uma eventual, mas improvável saída da ONU, tudo plagiado do americano maluco.
Um terceiro personagem promete apitar em nossa política externa, aparentemente com boas chances de influenciá-la intensamente. Eduardo, Filho do presidente eleito e deputado federal pelo Rio de Janeiro, é um político agressivo, ambicioso, polêmico e bem focado em seus objetivos. Cultiva estreitas relações com Steve Bannon, estrategista de Trump e requisitado conselheiro da extrema direita mundial como Marine Le Pen, Matteo Savini e Victor Orban. Sua prioridade imediata é lançar e fixar internacionalmente a imagem de seu pai como um líder internacional da direita e da antiglobalização.
Não tenho dúvida de que com um presidente que decide ideologicamente um chanceler com rompantes fundamentalistas e um jovem político que encontra a sua inspiração nos gurus da extrema direita, seremos brindados novamente com uma política externa de viés político, repeteco dos tempos do PT: só que desta vez, às avessas.
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